CARTA ABERTA AO CARÍSSIMO TEÓLOGO LEONARDO BOFF
Acompanho tudo que você escreve e me sensibilizo muito com a causa que você tanto defende. Seu respeito, sua forma aguerrida, mas doce e suave de defender seus pontos de vista e sua coerência de idéias fazem de mim um grande fã seu. Inspiro-me muito em seu pensamento holístico e humanista.
Não pertenço a partido político nenhum, não sou afiliado, mas defendo com unhas e dentes a ascensão de classes que o governo atual foi capaz de fazer. Como diz o professor Celso Antonio Bandeira de Melo: trata-se do simples cumprimento do artigo terceiro de nossa Constituição que pela primeira vez decidiram não saltar.
Durante essas eleições fui obrigado a me entregar por completo a uma luta que preferia não ter travado. Não estou suportando o que está acontecendo nessas eleições no que toca a mídia, a elite golpista e o preconceito de classe que vejo abundar todos os dias na minha caixa de e-mail. Nunca vi tantos ataques ensandecidos a uma pessoa como tenho visto o que estão fazendo com a Dilma Roussef. Todos desprovidos de qualquer argumentação ou razoabilidade.
O motivo que me faz tentar estabelecer um contato com o senhor é que estou vendo uma coisa se desenhando no país que muito me apavora: um namoro entre Estado e Religião. Não tenho palavras para descrever o pânico que sinto ao ver a política nacional ter que ser decidida nos altares evangélicos e católicos e não nas urnas. Junto a tudo isso o que vejo por todos os lados é a mais absoluta desinformação e inversão de valores democráticos, republicanos e principalmente históricos. Tenho visto pessoas de 13-20 anos de idade chamar de bandidas as pessoas que lutaram contra a ditadura e que, por isso, foram autoritariamente presas e barbaramente torturadas. Eu li Brasil Nunca Mais aos 13 anos de idade, tive professores de história que me ensinaram a valorizar a democracia e a vida democrática. O que está acontecendo no nosso país hoje para mim é absolutamente indigesto. Em nome de interesses eleitorais a oposição, que também se originou na mesma luta, desconstrói a verdadeira história e injeta os mais absurdos anti-valores nos menos preparados e mais vulneráveis.
Precisamos levar a cabo a construção do Estado Social de Direito, precisamos enraizar a classe média emergente e ninguém percebe que é este o verdadeiro cerne do atual debate, que para mim está longe de ser democrático. Hoje a mídia brasileira esbarra na popularidade do presidente, quando não houver isso ela elegerá quem quiser. Isso nunca pode ser chamado de democracia, é uma Ditadura de Imprensa. Os clãs que controlam nossa mídia só pensam na manutenção de seu monopólio. Temem uma política mais ofensiva no que toca as concessões dos canais de mídia. Agridem as pessoas que possuem pensamento crítico e discernimento na medida em que desinformam os mais despreparados em nome de seus interesses comerciais e familiares. A força da mídia brasileira inteira, ou seus braços mais fortes, pendem absurdamente para a privataria do PSDB e, como se não bastasse, o discurso final me cai em cima de questões religiosas que deveriam estar a léguas do pleito. Está desenhado o circo: uma mídia golpista de um lado e uma massa religiosa acrítica do outro.
Bom, esta carta na verdade é um pedido desesperado para que o senhor escreva algo sobre o perigo desse namoro entre política e religião que está se desenhando no nosso país. Politizar a questão do aborto ou ainda a da união civil entre iguais e transformar isso em patrimônio eleitoral é engessar a discussão democrática dos temas e abrir mão do discurso democrático em nome de ditames religiosos. Não tenho dúvidas, por exemplo, de que os cultos religiosos matinais de domingo foram decisivos neste primeiro turno para que a Marina forçasse um segundo turno. Pode-se votar em Marina mesmo sendo ateu ou agnóstico, mas os setores religiosos jamais votariam em um ateu ou em um agnóstico ou mesmo em alguém que defenda a discussão democrática de temas como aborto e união civil entre iguais. Neste país se confunde conceitos básicos entre bem e mal (ateus, por exemplo, são considerados maus), confunde-se a união civil de homossexuais com união religiosa. Estou vendo todo tipo de despautério religioso ser utilizado como arma política por um PSDB irresponsável e que coloca em risco toda valoração de uma sociedade com falsos argumentos, inversão de valores e desinformação.
Há muito tempo venho observando como votam os religiosos, principalmente os evangélicos e é notório que não votam criticamente, votam em bando, conduzidos por pastores e padres. Nesta semana mesmo, em um canal católico, um padre acusava a Dilma de ser a favor do aborto e pedia votos para o candidato Serra chamando a Dilma Roussef de “Mal Maior” a ser evitado. Isso valeu inclusive uma intervenção e repreensão de tal prática, pela própria CNBB, através de uma nota oficial. O senhor diz que “urge derrotar as forças anti-povo”, eu digo “urge derrotar a intervenção da religião e de religiosos no curso da política nacional”. Para mim o maior cabo eleitoral de Serra e o possível algoz de Dilma são os cultos e missas dominicais que ocorrem logo antes das eleições. Em minha opinião, numa futura reforma eleitoral, deve-se proibir terminantemente reuniões religiosas no dia das eleições. Bem como espetáculos e agrupamentos de quaisquer naturezas. Nosso eleitorado é intelectualmente frágil e não pode ficar à mercê de tal prática.
Não gosto e há muito venho prevendo esse retorno ao pensamento medieval da incursão da religião na discussão política. Gostaria muito de ouvir o que você tem a falar sobre isso, pois não possuo a mesma maestria, erudição ou o conhecimento de causa que o senhor possui neste campo. Além do mais, minha tendência seria de radicalização do discurso, o que também não é uma coisa positiva. Me tornei a própria Regina Duarte de 2002 só que às avessas: Tenho Muito Medo. Muito medo de duas coisas: do retrocesso social e intelectual e do Voto de Minerva ter ido parar no púlpito das Igrejas Católicas e nas Arenas Evangélicas. Não vejo qual tipo de eleitorado poderia ser mais suscetível às manobras espúrias da Imprensa Golpista. Tenho dificuldade de digerir que o destino de meu país venha a ser decidido por essas forças. Estamos nas mãos dos intelectuais do PV. Só o PV pode evitar que adentremos por essa trilha medieval. Caso a manipulação de massas e o Golpe de Mídia funcionem, e Marina foi usada como parte desse Golpe, seus eleitores amargarão o fato de ter levado e entregado a decisão do segundo turno a uma turba enlouquecida, seguidora de pastores e padres tendenciosos, irresponsáveis e muitas vezes incultos, e o pior: destruirão o Estado Social de Direito que começamos a tirar das páginas da Constituição e trazer para o cotidiano dos brasileiros, notadamente para os que estiveram, há séculos, às margens de nossa sociedade historicamente injusta e veladamente separatista.
Em tempo: O que seria esse Partido Verde Brasileiro? Um partido plural ou uma quimera bizarra, esquisita e paradoxal (sim, faço um tetra-pleonasmo)? Uma mistura esquizofrênica de esquerda com direita, de socialistas e capitalistas, de empresariado eco-capitalista com ecologistas roxos, ateus e agnósticos com CristãoS fanáticos? Qual seria a grande confluência de idéias no seio do PV? Aliás, há confluência? Qual a grande ideologia que explicaria o porquê dessas pessoas estarem unidas em um partido? Não seria o comprometimento com o social a única confluência possível? Acho que precisaremos de fato aguardar mais duas semanas para ter tal resposta. Isso será de longe o fato mais interessante dessas eleições. Ainda bem que não votei, ainda, no PV, pois não saberia dizer no que verdadeiramente eu teria votado.
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