segunda-feira, 16 de maio de 2011

É O RACISMO, ESTÚPIDOS!

Dez anos depois da primeira Conferência Mundial contra o Racismo e a Xenofobia de Durban, África do Sul, as mazelas e os perigos do racismo acenderam a luz vermelha e a ONU, instituindo 2011 como o Ano Internacional dos Afrodescendentes, volta a conclamar a comunidade de nações a se debruçar sobre os equívocos e a ineficiência das políticas antirracistas, por conta do recrudescimento dos níveis de racismo e discriminação racial contra os negros no mundo.

Recentes bananas oferecidas aos jogadores brasileiros Neymar e Roberto Carlos, as agressões verbais, os sons imitativos de macacos e as vaias das torcidas nas praças esportivas contra jogadores negros dão a dimensão da gravidade da situação, obrigando a Fifa e órgãos ligados ao esporte a tomar medidas severas para prevenção, punição e combate ao racismo, dentro e fora dos gramados.
Surrealismo, ambiguidade, hipocrisia, cinismo, desfaçatez, indiferença e tantos outros adjetivos jorram na literatura quando se analisa a tão vilipendiada trajetória do negro no Brasil. Todos apontam o racismo e ninguém consegue encontrar um racista. Junta-se a eles, a partir de agora, a estupidez.

Estúpido, este foi o adjetivo com que o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT/SP), definiu seu colega Jair Bolsonaro (PP/ RJ), por ocasião de suas maldades racistas e preconceituosas contra a cantora negra Preta Gil e os homossexuais em geral por meio de veículos de comunicação de massa.
O adjetivo em questão, seguramente, pode ser estendido a seus colegas congressistas Jaime Campos (DEM/ MT), que se referiu ao ministro negro do STF, Joaquim Barbosa, como "moreno escuro", por ter esquecido seu nome, Marcos Feliciano (PSC/SP), que responsabilizou a África e os negros africanos por todos os males do mundo, e ao senador Demóstenes Torres (DEM/GO), que, no plenário do STF, disse que a mulher negra gostava de ser seviciada pelo senhor.


Como inocentes úteis, tais nada inocentes parlamentares, protegidos pela impunidade, destilam em praça pública os venenos que reservavam para ambientes privados. Flertando com os veículos de comunicação, são a fina e rejuvenescida flor daquela corrente que faz um mau uso do direito de expressão para fins pessoais inconfessáveis, colocando o mandato popular a fomentar, voluntária ou involuntariamente, mas de modo igualmente irresponsável, o ódio racial.


Como a resultante dos estúpidos é a estupidez, a retórica dissimulada em ideia livre e democrática é, na verdade, a correia de transmissão para os também estúpidos integrantes das gangues organizadas que, em São Paulo, no ambiente cibernético e à luz do dia, pregam e praticam a perseguição, a agressão e a eliminação de negros, de judeus e de homossexuais.
É o combustível que encoraja os estúpidos das forças policiais, que, na Bahia, conforme noticiou esta Folha, dizimam a juventude negra brasileira. É o estímulo final aos seguranças de shopping centers e supermercados de grife, que vigiam os negros nas passarelas e batem em sua caras nas salas de segurança e em estacionamentos.

O racismo é perigosamente destrutivo e sutilmente enganador. Ele tateia sutilmente pelas frestas e se mistura sinuosamente como naturalidade cotidiana; tanto quanto repudiá-lo, é indispensável combatê-lo sem trégua e sem piedade. Sem diminuí-lo e sem ignorá-lo. A ONU e a Fifa estão corretas, assim como o deputado Vaccarezza. É o racismo, estúpidos!

José Vicente

A MENTIRA E O MEDO


Há uma inquieta passagem de Goethe, em sua conhecida reconstrução da tragédia de Eurípedes, Efigênia em Tauris, que serve de ponto de reflexão sobre o nosso tempo, entre todos os outros tempos.

Tendo sido salva da morte e vivendo em Tauris, Efigênia consegue proteger seu irmão Orestes. No texto de Goethe, ela maldiz a mentira, ao afirmar que a mentira não liberta o coração, não consola, e sim aporta a angústia. A passagem é citada por Aléxis Philonenko, em seu exaustivo estudo sobre os matadores e as várias manifestações do assassinato. Nas guerras, como instrumento de poder, ou de submissão de outros povos, e de saqueio, o ato de matar é mais horripilante e se camufla em falsa razão de estado. Os mandantes transferem, assim, sua culpa à comunidade nacional, mesmo quando agem contra o próprio povo. É o que ocorre com os golpistas e déspotas em todos os tempos e lugares.

Goethe escreveu sua peça aos 29 anos, dez anos antes da grande tempestade de violência política, que foi a Revolução Francesa. Mas não faltaram a ele os exemplos do passado, os grandes conflitos internacionais e as fortes tragédias, como as do fim da República Romana, da Idade Média e do Renascimento.O aspirante ao poder absoluto deverá arrancar seu coração, no obsessivo projeto de ser visto como herói, é o que, em suma, diz o grande escritor alemão, citado por Philonenko.

Há momentos em que, na necessidade da defesa de seu território, violado por tropas estrangeiras, o dirigente terá que optar pela guerra. Essa atitude é bem distinta da concepção da guerra pré-emptiva, doutrina cínica que assustou a consciência ética do mundo. Nesse, e em movimentos semelhantes, a mentira prevalece, a fim de dissimular o crime, para exibi-lo como virtude, no interesse do dirigente e no interesse daqueles que o aconselham.

Um líder político não é, ao contrário do que muitos supõem, homem só, que decide apenas com a própria consciência. Ele é conduzido pelos interesses que o construíram, pelas idéias que o orientaram, pelas contingências do cotidiano. Ele é orientado pela mentira, que ele, com a consciência de seus compromissos, ou com a volúpia do poder (quase sempre) assume e, em conseqüência, age. O pior é que a mentira passa a ser a verdade conveniente, mesmo sendo identificada em sua natureza infame.

Há momentos em que grande parte do povo se submete, pela aceitação do mal ou pela covardia, à mentira de seus dirigentes, como ocorreu durante o nazismo, o fascismo, o stalinismo, o franquismo. E como ocorreu aos Estados Unidos, nas guerras contra o México, a Espanha, o Vietnã – além dos golpes sucessivos em nosso continente, na África e na Ásia. Foi com a mentira que Stalin determinou a purga do partido, nos processos de 1938; foi com a mentira que Hitler decidiu pela extinção dos judeus, eslavos, ciganos e mestiços, além dos socialistas e comunistas, a partir da mentira maior, de que participam até hoje algumas de suas vítimas: a de que há raças humanas. E foi a partir de mentiras sucessivas que os Estados Unidos construíram seu poderio.

Como advertia a Efigênia de Goethe, desgraçada da mentira, porque não pode trazer o consolo, mas, sim, a angústia, e o pânico que se esconde sob outras ilusões, entre elas a da invencibilidade.
Os agressores, sabendo que mentem, estarão sempre sob a fria lâmina do terror da vingança. Como diria César, estão condenados, pelo medo, a morrer todos os dias.

Mauro Santayana