segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

SER DE ESQUERDA OU SER DE DIREITA

Ter uma inclinação ideológica é algo quase inevitável. Somos bombardeados diariamente com informações, alguns de nós lêem livros, textos, reportagens e tendemos, em geral, a tomar uma posição.  A maneira como crescemos, a educação que tivemos e, principalmente, as influência que absorvemos na juventude, formarão, de modo geral, nossa inclinação política. O que significa, entretanto se dizer uma pessoa de esquerda ou de direita hoje em dia? Confesso que reflito muito sobre o significado moderno de tal colocação.

Um filósofo esloveno contemporâneo chamado Slavoj Žižek se auto-classifica de comunista, cristão e ateu. Achei absolutamente fantástico ouvir isso de alguém como ele, porque muitas vezes me senti como algo desse tipo, ou seja, uma quimera ideológica. Hoje em dia vejo como isso é possível e, inclusive, filosoficamente coerente.

No imaginário popular existe uma lista de palavras ou características que são imediatamente relacionadas à esquerda e outras, à direita. Em um livro de francês, um dos métodos com o qual já tive contato, havia o seguinte exercício: os alunos deveriam ler uma lista de palavras que são associadas aos discursos de esquerda e uma outra lista de palavras associadas aos discursos de direita, ainda que essas palavras, à primeira vista, não demonstrassem muitas vezes uma dimensão política. Desse modo, palavras como monarquia, tradição, religião, respeito, austeridade, seriedade eram associadas à direita e outras como a tríade revolucionária: liberdade, igualdade, fraternidade ou ainda, aventura, felicidade, utopia, idealismo e revolta, seriam palavras associadas ao discurso de pessoas que se diziam de esquerda. Obviamente achei que se tratava de uma estereotipagem sem tamanho. O exercício que se seguia e a própria forma como os alunos acertavam absolutamente todos os vernáculos e classificações dos discursos,  me mostrou que era realmente essa a percepção que as pessoas possuem de modo geral.

Creio que a maior dificuldade da esquerda seja conseguir sensibilizar as pessoas e demonstrar que “seus” adjetivos não são, como a percepeção geral erroneamente constata, características pejorativas e, no mesmo passo, mostrar que “os” da direita estão longe de ser virtudes indeléveis. Difícil combate esse, principalmente em um mundo onde os extremismos religiosos se acirram a cada dia. A direita, quase sempre de mãos dadas com a religião, ganha espaço, triunfa e mergulha o mundo numa treva medieval.

De minha livre interpretação dos embates políticos historicamente travados em meu país e de minha percepção do que conheço e leio sobre a Europa e Oriente Médio, há muito tempo enxergo algo que não é tratado com a devida imparcialidade pelos veículos de informação: acredito que a maioria dos movimentos políticos e governos estão muito equivocados, cada um a seu modo. Se de um lado não posso concordar com os desmandos e com os extremismos de alguns países do islã, notadamente no que toca às liberdades individuais, não consigo, tampouco, enxergar qualidade alguma no consumismo desenfreado do capitalismo ocidental que de tempos em tempos nos visita com suas crises avassaladoras, sempre curadas com o sacrifício e o cerceamento de direitos básicos de populações escravizadas e sacrificadas ao proveito dos lucros dos banqueiros e das grandes corporações. Como nenhum dos extremos agrada e como ambos escancaram seus vícios e horrores, eles de fato se retro-alimentam (palavras de Slavoj Žižek). Criando mistificações uns sobre os outros e se entre-acusando, garantem sua sobrevivência. A lógica do Inimigo Ocidental e do Inimigo Oriental impera. Tudo isso, claro, amplamente e devidamente manipulado por uma mídia que insiste em ser partidária e tendenciosa e que se mostra absolutamente incapaz de ser jornalística e sóbria.

Como homem de esquerda, quero muito asisistir o colapso da direitona. Principalmente a direitona religiosa e xenófoba, que nos Estados Unidos se vira contra os latinos, na Europa contra os árabes e no Brasil contra os Nordestinos. Não consigo enxergar uma virtude sequer nessa gente e em seus propósitos. Não conheço um único país ou um único governo atual de direita que governe, de fato, pensando em sua população. A direita sempre está atrás da garantia dos interesses de poucos. Sempre ligada à velhas oligarquias, empresários e clãs políticos. Seu sucessso vem de seu discurso religioso, moral e bom-costumeiro, que ainda que absolutamente hipócrita, é sim, muito difícil de desnudar aos olhos da maioria da população. Na coluna de adjetivos e expressões ligados à direita eu acrescentaria alguns, digamos, mais diretos: elitistas, reacionários, anti-democratas, sectários, classistas, xenófobos, bairristas e intolerantes. Não custa lembrar que o Nazismo e o Fascismo floresceram como forças de extrema direita.

O comunismo de fato se perdeu no caminho. Errou feio quando pretendeu igualar os seres humanos em absolutamente todas as suas facetas, subtraindo principalmente as singularidades e potencialidades individuais, propondo um mundo monótono e padronizado. O que de fato precisamos é de igualdade de oportunidades para que cada um, à sua guisa, desenvolva suas potencialidades e viva a vida que queira viver. Isso não pode ocorrer enquanto houver fome, massacre de minorias e cerceamento de direitos individuais. Fico realmente assustado quando vejo as populações européias serem descaradamente assaltadas para que governos paguem as contas da crise cíclica gerada pelo mercado especulativo. Não vejo outra razão de existência do Estado que não seja dentro do Estado Social de Direito. Qual o dever do Estado se não o de garantir o bem estar social ? Qual a razão de se pagar impostos que não seja para que sejam empregados em gastos de interesse público ? Muito ao contrário, o que se vê na Europa, principalmente, é um verdadeiro assalto aos direitos mais elementares dos trabalhadores e dos cidadãos com o objetivo de sanar as contas de um capitalismo loucamente especulativo e resgatar, por mais um ciclo, banqueiros da bancarrota, evitando, sempre e mais uma vez, que a elite financeira largue o osso.

Creio sim que a salvação do mundo esteja numa guinada à esquerda, mas uma esquerda madura, que garanta oportunidades suficientes para que as pessoas desenvolvam suas potencialidades. Não quero nem acredito em um mundo igual no sentido de padronizado, mas igual em justiça e em possibilidades para todos. Definitivamente o capitalismo nunca nos deu isso. Mas teremos que ser capazes de conseguir cedo ou tarde. Esse mundo só será possível quando a elite financeira, direitista e conservadora resolver ceder. A história nos mostra que isso não costuma ocorrer de modo pacífico. Sempre que falo isso me lembro do que se encontrava no lugar do obelisco da Concórdia (1) em Paris e realmente não acredito que seja uma boa saída. A saída, na minha opinião, tem sido ensaiada em meu país, e parece ter tido sucesso nos países escandinavos: fortalecimento do Estado Social de Direito, diminuição das desigualdades, diminuição da disparidade entre salários, ou seja precisamos encarnar em sua forma pura e cristã e de uma vez por todas, os ideais revolucionários franceses: Liberdades individuais, com democracias vigorosas, Igualdade de oportunidades para garantirmos o desenvolvimento das potencialidades individuais e Fraternidade para que possamos enxergar de uma vez por todas que um sistema econômico mundial jamais perdurará enquanto houver fome e miséria ou enquanto o conforto de poucos repousar sobre os ombros cansados de muitos.

Obs: Um ditado popular diz: esquerda aos 20, centro aos 30 e direita aos 40. Eu escolho envelhecer como Niemeyer, que aos cem anos se declara um homem de esquerda com a confiança que os anos dão aos sábios e a lucidez que os livros dão aos que estudam.

Thiago de Castro Gomes

1-Local em Paris onde se localizava a Guilhotina que decapitou milhares de nobres e políticos durante a Revolução Francesa. 

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