domingo, 18 de dezembro de 2011

PRIVATARIA TUCANA – AS CONSEQUENCIAS

Por Fábio de Oliveira Ribeiro 18/12/2011 às 14:15
Privataria tucana está atingindo massa crítica sem ajuda da mídia tradicional.
A imprensa tucana (Folha, Estadão, Globo e Veja) tenta desesperadamente proteger Serra ou esconder seus mal-feitos. Mas nada disto está impedindo o crescimento das vendas do livro ou evitará suas consequencias.
Mais de 30 mil cópias do livro já foram vendidas e os pedidos não param de crescer. Nem mesmos as redes de livrarias que eventualmente colaboraram com a campanha tucana poderão deixar de encomendar milhares de unidades da obra de Amaury Ribeiro Jr. Afinal, o lucro que elas dariam às suas concorrentes as impediria de seguir ocupando o espaço que ocupam. Esta é uma curiosa contradição do capitalismo, quando o empresário se vê entre ter lucro a curto prazo e preservar os compromissos de longo prazo ele sempre optará pelos lucros imediatos.
O Ministério Público Federal já prepara uma ação contra Serra e Preciado. No momento em que for citado Serra vira réu em processo criminal e sua ficha limpa ficará inevitavelmente suja. A Folha publicou uma falsa ficha criminal de Dilma na última eleição. Na próxima uma ficha criminal verdadeira de Serra poderá ser exibida em qualquer jornal ou programa de TV. Preciado, o primo por casamento de Serra, também será acionado pelo MPF. Caso ele faça um acordo de “delação premiada” a carreira de Serra acaba na política e se iniciará ainda mais rapidamente num Penitenciária Federal.
FHC está em silêncio. De todos os implicados ele é o que tem menos razões para se preocupar. O Danton brasileiro sabe que vai morrer antes do fim de qualquer processo criminal. Além disto, há bastante tempo FHC tem certeza de que sua carreira política pessoal acabou. No limite, o escandalo da Privataria Tucana pode até lhe render alguns preciosos minutos na frente das câmeras de TV, minutos que serão considerados preciosos (ao menos para alimentar sua vaidade pessoal) pois desde que apeou do poder ele literalmente desapareceu da mídia.
Dando mostras claras de partidarismo (a imprensa tucana, ou seja, Folha, Estadão, Globo e Veja, esconde o escandalo da privataria e requentam as denúncias furadas contra Ministros de Dilma e o governador do DF) a mídia se distancia cada vez mais da população. Em breve atingirá um tal ponto de descolamento da realidade que nenhum Deputado ou Senador terá mais medo de enfrentar os Barões da Mídia. A nova regulação da imprensa pode vir a ser um resultado positivo do livro publicado pela Geração Editorial.
Cópias e mais cópias para downloud do livro de Amaury Ribeiro Jr. são replicadas na internet  http://luizcastaldibecker.wordpress.com/2011/12/16/a-privataria-tucana-de-amaury-ribeiro-jr/ . E quanto mais o livro é baixado de graça mais o debate cresce e mais cópias do livro são compradas. A Editora já admite que este pode se tornar seu título mais vendido desde sempre.
A imprensa não controla mais o mercado editorial, nem a opinião pública. Por mais que se recuse a discutir e a divulgar o livro A PRIVATARIA TUCANA o mesmo segue sendo lido, discutido e brandido contra os pilantras do PSDB e de seus acólitos na mídia. O tempo das Reformas de Base chegou e a esquerda não pode ficar parada ou deixar de aproveitar a oportunidade. Mãos a obra.
Texto obtido no site: www.correiodobrasil.com.br

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O DESPUDOR SECTÁRIO DE VEJA.

Em A Hora da Estrela, Clarice Lispector nos mostra toda simplicidade e ingenuidade de uma nordestina interiorana solta na selva de pedra do Rio de Janeiro à mercê de todo tipo de crueldade humana. Macabéa, a personagem, nem sabe ao certo se é triste ou feliz. Sem parâmetros para sequer saber distinguir o que é bom e o que é ruim seus momentos de felicidade estão em poder ficar sozinha no quarto que divide com outras mulheres, tomar coca-cola com pão ou beber um café, um luxo que ela paga tendo azia logo em seguida.

Que a revista Veja, a Folha de São Paulo, a Globo e grande parte de nossa mídia é cruel e sectária a maioria de nós sabe bem. Na cabeça dessas pessoas não pensar como eles significa ser ignorante, imbecil, enfim, uma ralé intelectual que deveria ser varrida do país. Por mais que os números mostrem e comprovem que nosso país não é eleitoralmente dividido em classes, essas pessoas continuam a espalhar estereótipos e alimentar ódios e separatismos dentro da nossa sociedade. Prestam, assim, um imenso desfavor ao nosso país.

Em meio às manifestações sobre a recente publicação do jornalista Amaury Ribeiro Jr, deparei-me, quase que por acaso, com esse vídeo que coloco abaixo. Clarice Lispector poderia ter tirado sua Macabéa deste teatro de horrores patrocinado pela Revista Veja. Não obstante todos aqueles que se julgam superiores, espertos, inteligentes e descolados e que massacram a personagem sem que ela se dê conta do que está sendo feito com ela, podem ser encarnados pelo jornalista de VEJA.

Há muito tempo não vejo nada tão cruel e tão definitivo sobre o que, de fato, move nossa elite e que sentimentos essas pessoas fermentam dentro de si. Este vídeo pode ser interpretado de algumas formas e algumas verdades saem dele, as mais flagrantes, ao meu ver, são duas: 1- Todos que não fundamentam suas idéias sócio-políticas e culturais nas mesmas bases dessas pessoas são por elas consideradas pobres Macabéas. 2- Realmente a palavra "escrúpulo" deveria ser removida dos dicionários que habitam a Editora Abril.

No vídeo, assim como no livro, temos basicamente dois personagens: Macabéa ou Neli Santos Ferreira e o jornalista que no livro pode ser representado por qualquer um dos personagens que massacram a mulher sem que a mesma perceba a violência que está sofrendo. Vejam abaixo esse circo de horrores.
 A pergunta que o leitor de Clarice Lispector se faz o tempo ao ler a referida obra não poderia vir mais a calhar: quem, de fato, é o imbecil, o idiota, o manipulado e o pobre coitado do vídeo?

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ENFIM UM POUCO DE LUZ É LANÇADA SOBRE OS ANOS DE TREVA DA ERA FHC

Que a eleição presidencial do ano passado foi uma das mais sujas da história do país todo mundo já sabe. Ver o PSDB alinhadíssimo com suas bases falso-moralistas e seus discursos misóginos e sectários também não foi novidade. O que me deixou realmente irritado foi a tentativa de se jogar para cima da Dilma um dossier preparado contra o então candidato do PSDB. Desde aquele período eu já sabia, por fontes aqui de Belo Horizonte, que isso era coisa interna, queda de braço entre Çerra e Aécio Never na disputa pelas prévias tucanas. O dossier era fruto de investigações feitas por um jornalista que trabalhava dentro do jornal Estado de Minas, como todos sabem, um apêndice do governo do estado.  Saber disso e ver a palhaçada veiculada na mídia foi um tanto nauseante. Creio que nunca me envolvi tanto numa disputa presidencial e com certeza isso serviu para me mostrar o quanto caminhamos a passos lentos quando o assunto é informação (ou a falta desta).

Fato é que o tal jornalista concluiu sim uma bomba a respeito das privatizações vergonhosas da era FHC, presidente que, como diz o Delfim Neto, conseguiu a façanha de vender o patrimônio do país e se endividar. Isso realmente é só para quem sabe fazer. O livro bomba, cuja primeira edição se esgotou em menos de 48 horas promete lançar uma luz sobre a idade das trevas que foram os anos FHC, anos em que NADA era investigado no país, nem denunciado pela imprensa que seguia segura,  feliz e contente com garantia de que seu monopólio familiar continuaria intocado. Foi preciso esperar muito tempo para que o assunto pelo menos voltasse à baila e para que se possa, enfim, entender o maior saque já feito ao patrimônio público brasileiro. Teremos direito a tudo: Daniel Dantas, Paraísos Fiscais, o Serra, a Filha do Serra, o cunhado do Serra, a irmã do Dantas, ex-ministros e funcionários do governo FHC lavando, esquentando e esfriando dinheiro obtido com as privatizações para alimentar os cofres eleitorais tucanos.  Se existe uma diferença entre os anos FHC e os de hoje é que hoje se apura, hoje se investiga, hoje o ministério público e as procuradorias não são mais amordaçadas como foram nos anos FHC. Enfim faz-se um pouco de luz. Segue um pequeno texto sobre o livro e sobre o autor, o jornalista Amaury Ribeiro Jr. 


O autor do livro “A Privataria Tucana” (Geração Editorial), o jornalista Amaury Ribeiro Jr., afirmou que está “preparado para a guerra”, caso o ex-governador de São Paulo José Serra ou outros políticos do PSDB o processarem por causa dos documentos e denúncias divulgadas na obra. “Cada um, antes de me processar, deve pensar bem porque tenho reserva de troca e vão levar chumbo também. Sabia que poderia ser processado e estou preparado para isso. Usei apenas documentos públicos e tenho provas de que escrevi apenas a verdade”, garante Amaury, em entrevista ao Yahoo! Brasil. “Pode vir quente que eu estou fervendo”, completa.

Segundo o jornalista, ele tem material para fazer outros livros de denúncia, mas não quis adiantar os temas. “Tenho material para mais quatro ou cinco livros nesse mesmo mote. Não tenho medo desse povo”.

Sobre a possibilidade beneficiar Aécio Neves como candidato do PSDB às eleições de 2014, Amaury disse que não escreveu o livro para agradar ou desagradar ninguém. “Vi o Aécio Neves apenas uma vez e não o cumprimentei. Não tenho a intenção de nada, cheguei até a desagradar meus amigos. Na minha lógica, ninguém ia ler esse livro”, minimizou.

Amaury se diz surpreso com o sucesso de vendas. “É um sucesso que ninguém esperava, uma coisa estrondosa. Já vendemos 15 mil cópias e temos pedido para mais 70 mil exemplares. Não tivemos o apoio dos grandes veículos, mas tenho as redes sociais ao meu lado”, comenta.

Sobre o livro
A obra relata irregularidades durante o processo de privatizações de empresas públicas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O personagem central dessa história é o ex-governador de São Paulo José Serra, então ministro do Planejamento de FHC. O sucesso da publicação é tamanho que o e-book já está disponível na web e o assunto ganhou a hastag#PrivatariaTucana no microblog Twitter. 

A obra, de 343 páginas, apresenta documentos de lavagem de dinheiro e pagamento de propina, recolhidos em fontes públicas, como arquivos da CPI do Banestado.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Vida Não Me Desapontou - Nietzsche

Não, a vida não me desapontou! Pelo contrário, todos os anos a acho melhor, mais desejável, mais misteriosa... desde o dia em que vejo a mim a grande libertadora, a ideia de que a vida podia ser experiência para aqueles que procuram saber, e não dever, fatalidade, duplicidade!... Quanto ao próprio conhecimento, seja ele para outros aquilo que quiser, um leito de repouso, ou o caminho para um leito de repouso, ou distracção ou vagabundagem, para mim é um mundo de perigos, é um universo de vitórias onde os sentimentos heróicos têm a sua sala de baile. «A vida é um meio de conhecimento»; quando se tem este princípio no coração, pode viver-se não somente corajoso mas feliz, pode-se rir alegremente! E quem, de resto, se ouvirá, portanto, a bem rir e a bem viver se não for primeiramente capaz de vencer e de guerrear?

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

A Sabedoria do Sofrimento - Nietzsche

O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível.
Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie, estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de felicidade.

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

terça-feira, 18 de outubro de 2011

AMY WINEHOUSE - INCRÍVEL VERSÃO DE "VALERIE"

Emir Sader: É o social, estúpidos!

Coerentemente com sua incapacidade de explicar o prestígio nacional de Lula – 87% depois de ter deixado de ser presidente -, a direita – tanto a partidária, quanto a midiática – não consegue explicar o prestígio e a mais que segura possibilidade de que Cristina Kirchner triunfe nas eleições do próximo domingo, 23 de outubro, reelegendo-se presidente da Argentina e inaugurando – como no Brasil – o terceiro mandato do ciclo atual de governos pós-neoliberais no país vizinho.
Todos os argumentos foram esgrimidos: o luto pela morte de Nestor Kirchner – ocorrida há mais de um ano, insuficiente para dar conta da contínua subida da popularidade de Cristina; a corrupção, que cooptaria grande quantidade de gente: incapaz de dar conta de um apoio popular generalizado de Cristina; a conjuntura econômica internacional: esta volta a se tornar um condicionante negativo, mas a economia argentina continua a ser a que mais cresce no continente. Resta a idiossincrasia argentina, uma espécie de sentimento de auto-destruição inato dos argentinos, que adorariam acelerar a suposta decadência do seu país.
Em suma, apelou-se para argumentos infra-políticos, antropológicos, psicanalíticos, tangueiros, mas não conseguem entender, menos ainda explicar por que um governo que a mídia brasileira e argentina – irmãs gêmeas – execra, conseguirá se reeleger nas eleições do final deste mês, com mais de 40% de diferença para o segundo colocado.
A razão é que isso seria uma confissão dramática – e quase suicida – para as elites, do óbvio: o Brasil e a Argentina tiveram uma substancial melhoria nas condições de vida da massa da população e este é o “segredo” conhecido por todo o povo, do sucesso dos seus governos atuais.
Enquanto – só para tomar os presidentes depois da restauração da democracia nos dois países – presidentes como Ricardo Alfonsin [mais conhecido Raul Alfonsin], José Sarney, Fernando Collor de Mello, Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso, Fernando de la Rua – saíram enxotados e repudiados pelo povo, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, terminaram ou terminam seus mandatos com um majoritários apoio popular, apesar da oposição da velha mídia monopolista.
A razão do sucesso desses governos – da mesma forma que dos outros governos progressistas da América Latina – reside nas políticas sociais, no ataque à característica mais marcante historicamente dos países do nosso continente: o de ser a região mais desigual do mundo. Aí reside o “segredo” das transformações levadas a cabo por esses governos e que explicam sua popularidade. Uma situação radicalmente contrária da dos governos que os antecederam e que implementaram ou deram continuidade ao modelo neoliberal.
Até mesmo essa direita reconhece que a distribuição de renda melhorou substancialmente desde o início desses governos, que o poder aquisitivo dos salários cresceu ao longo desses mandatos, que os contratos formais de trabalho aumentaram sempre na década passada, revertendo, em parte, as desigualdades e exclusões sociais dos governos que os antecederam.
A dificuldade para que a direita – de lá e de cá – reconheça esse aspecto – o enorme processo de democratização social em curso nos nossos países – reside em que significaria automaticamente reconhecer que quando governaram – com ditadura ou com democracia -, perpetuaram ou até mesmo pioraram a situação da massa da população. A desigualdade histórica que marca o nosso continente é produto dos governos das elites tradicionais. Compreender as razões da popularidade dos governos argentino e brasileiro seria uma confissão das responsabilidades das elites tradicionais – partidos e mídia – e, de alguma forma, suicidar-se como consciência social. Daí que estejam condenados a enganar-se e, assim, a impossibilidade de compreensão do que são nossos países e toda a América Latina hoje. Daí a situação de impotência, desconcerto e divisão que afeta a direita nos dois países e em grande parte do continente.
Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.

sábado, 6 de agosto de 2011

AINDA O FUNDAMENTALISMO

TÃO LOGO SAÍRAM AS NOTÍCIAS SOBRE OS ATENTADOS EM OSLO O ATO TERRORISTA FOI LIGADO AO ISLÃ. MINUTOS DEPOIS VEIO A INFORMAÇÃO SOBRE A IDENTIDADE REAL DO RESPONSÁVEL POR AQUELA ATROCIDADE : BRANCO, CRISTÃO E NORUEGUÊS. NINGUÉM FALOU MAIS NADA. ESTE TEXTO DO LEONARDO BOFF FALA EXATAMENTE SOBRE ISSO. VALE A PENA CONFERIR:

O ato terrorista perpetrado na Noruega de forma calculada por um solitário extremista norueguês de 32 anos, trouxe novamente à baila a questão do fundamentalismo. Os governos ocidentais e a mídia induziram a opinião pública mundial a associar o fundamentalismo e o terrorismo quase que exclusivamente a setores radicais do Islamismo. Barack Obama dos USA e David Cameron do Reino Unido se apressaram em solidarizar-se com governo da Noruega e reforçaram a idéia de dar batalha mortal ao terrorismo, no pressuposto de que seria um ato da Al Qaeda. Preconceito. Desta vez era um nativo, branco, de olhos azuis, com nivel superior e cristão, embora o The New York Times o apresente “sem qualidades e fácil de se esquecer”.

Além de rejeitar decididamente o terrorismo e o fundamentalismo devemos procurar entender o porquê deste fenômeno. Já abordei algumas vezes nesta coluna tal tema que resultou num livro “Fundamentalismo, Terrorismo, Religião e Paz: desafio do século XXI”(Vozes 2009). Ai refiro, entre outras causas, o tipo de globalização que predominou desde o seu início, uma globalização fundamentalmente da economia, dos mercados e das finanças. Edgar Morin a chama de “a idade de ferro da globalização”. Não se seguiu, como a realidade pedia, uma globalização política (uma governança global dos povos), uma globalização ética e educacional.

Explico-me: com a globalização inauguramos uma fase nova da história do Planeta vivo e da própria humanidade. Estamos deixando para trás os limites restritos das culturas regionais com suas identidades e a figura do estado-nação para entrarmos cada vez mais no processo de uma história coletiva, da espécie humana, com um destino comum, ligado ao destino da vida e, de certa forma, da própria Terra. Os povos se puseram em movimento, as comunicações universalisaram os contactos e multidões, por distintas razões, começam a circular pelo mundo afora.

A transição do local para o global não foi preparada, pois o que vigorava era o confronto entre duas formas de organizar a sociedade: o socialismo estatal da União Soviética e o capitalismo liberal do Ocidente. Todos deviam alinhar-se a uma destas alternativas. Com o desmonte da União Soviética, não surgiu um mundo multipolar mas o predomínio dos EUA como a maior potência econômico-militar que começou a exercer um poder imperial, fazendo que todos se alinhassem a seus interesses globais. Mais que globalização em sentido amplo, ocorreu uma espécie de ocidentalização do mundo e, em sua forma pejorativa,uma hamburguerização. Funcionou como um rolo compressor, passando por cima de respeitáveis tradições culturais. Isso foi agravado pela típica arrogância do Ocidente de se sentir portador da melhor cultura, da melhor ciência, da melhor religião, da melhor forma de produzir e de governar.

Essa uniformização global gerou forte resistência, amargura e raiva em muitos povos. Assistiam a erosão de sua identidade e de seus costumes. Em situações assim surgem, normalmente, forças identitárias que se aliam a setores conservadores das religiões, guardiães naturais das tradições. Dai se origina o fundamentalismo que se caracteriza por conferir valor absoluto ao seu ponto de vista. Quem afirma de forma absoluta sua identidade, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los.

Este fenômeno é recorrente em todo o mundo. No Ocidente grupos significativos de viés conservador se sentem ameaçados em sua identidade pela penetração de culturas não-européias, especialmente do Islamismo. Rejeitam o multiculturalismo e cultivam a xenofobia. O terrorista norueguês estava convencido de que a luta democrática contra a ameaça de estrangeiros na Europa estava perdida. Partiu então para uma solução desesperada: colocar um gesto simbólico de eliminação de “traidores” multiculturalistas.

A resposta do Governo e do povo norueguês foi sábia: responderam com flores e com a afirmação de mais democracia, vale dizer, mais convivência com as diferenças, mais tolerância, mais hospitalidade e mais solidariedade. Esse é o caminho que garante uma globalização humana, na qual será mais difícil a repetição de semelhantes tragédias.

Leonardo Boff

sábado, 18 de junho de 2011

A DITADURA, A RELIGIÃO E A DIREITONA

Costumo dizer que o livro BRASIL NUNCA MAIS deveria ser a bíblia do brasileiro quando se trata de discutir as atrocidades da ditadura e as ortodoxias da direita nacional. Muito se discute sobre a abertura dos documentos da ditadura militar e da condenação do Brasil na OEA diante da negativa absurda de abrir os arquivos da Ditadura, diferentemente do que foi feito no Chile e na Argentina. Ainda assim, mesmo que esses arquivos não sejam abertos, bastaria uma força-tarefa para levar ao conhecimento das pessoas documentos já publicados, como o impecável e pertubador livro BRASIL NUNCA MAIS  de Dom Hevaristo Arns, uma brilhante contribuição ao nosso país e fruto de um profundo senso humanista e cristão por parte deste brilhante religioso. Temos muitos documentos, livros e pesquisas capazes de mostrar para as pessoas o que foi a ditadura, o que é direita brasileira e como a cada eleição ela infecta a sociedade com suas ortodoxias, atrasos, preconceitos e elitismos. O projeto do ilustre religioso ainda continua e recentes e inéditas revelações sobre os laços da ditadura com os Evangélicos, tanto enquanto vítimas como algozes, acabam de ser publicadas. Mais um excelente seviço prestado por este incansável humanista.

Abaixo reportagem publicada na IstoÉ:

Os evangélicos e a ditadura militar

Documentos inéditos do projeto Brasil: Nunca Mais - até agora guardados no Exterior - chegam ao País e podem jogar luz sobre o comportamento dos evangélicos nos anos de chumbo

Rodrigo Cardoso

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No primeiro dia foram oito horas de torturas patrocinadas por sete militares. Pau de arara, choque elétrico, cadeira do dragão e insultos, na tentativa de lhe quebrar a resistência física e moral. “Eu tinha muito medo do que ia sentir na pele, mas principalmente de não suportar e falar. Queriam que eu desse o nome de todos os meus amigos, endereços... Eu dizia: ‘Não posso fazer isso.’ Como eu poderia trazê-los para passar pelo que eu estava passando?” Foram mais de 20 dias de torturas a partir de 28 de fevereiro de 1970, nos porões do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. O estudante de ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP) Anivaldo Pereira Padilha, da Igreja Metodista do bairro da Luz, tinha 29 anos quando foi preso pelo temido órgão do Exército. Lá chegou a pensar em suicídio, com medo de trair os companheiros de igreja que comungavam de sua sede por justiça social. Mas o mineiro acredita piamente que conseguiu manter o silêncio, apesar das atrocidades que sofreu no corpo franzino, por causa da fé. A mesma crença que o manteve calado e o conduziu, depois de dez meses preso, para um exílio de 13 anos em países como Uruguai, Suíça e Estados Unidos levou vários evangélicos a colaborar com a máquina repressora da ditadura. Delatando irmãos de igreja, promovendo eventos em favor dos militares e até torturando. Os primeiros eram ecumênicos e promoviam ações sociais e os segundos eram herméticos e lutavam contra a ameaça comunista. Padilha foi um entre muitos que tombaram pelas mãos de religiosos protestantes.
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O metodista só descobriu quem foram seus delatores há cinco anos, quando teve acesso a documentos do antigo Sistema Nacional de Informações: os irmãos José Sucasas Jr. e Isaías Fernandes Sucasas, pastor e bispo da Igreja Metodista, já falecidos, aos quais era subordinado em São Paulo. “Eu acreditava ser impossível que alguém que se dedica a ser padre ou pastor, cuja função é proteger suas ovelhas, pudesse dedurar alguém”, diz Padilha, que não chegou a se surpreender com a descoberta. “Seis meses antes de ser preso, achei na mesa do pastor José Sucasas uma carteirinha de informante do Dops”, afirma o altivo senhor de 71 anos, quatro filhos, entre eles Alexandre, atual ministro da Saúde da Presidência de Dilma Rousseff, que ele só conheceu aos 8 anos de idade. Padilha teve de deixar o País quando sua então mulher estava grávida do ministro. Grande parte dessa história será revolvida a partir da terça-feira 14, quando, na Procuradoria Regional da República, em São Paulo, acontecerá a repatriação das cópias do material do projeto Brasil: Nunca Mais. Maior registro histórico sobre a repressão e a tortura na ditadura militar (leia quadro na pág. 79), o material, nos anos 80, foi enviado para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), organização ecumênica com sede em Genebra, na Suíça, e para o Center for Research Libraries, em Chicago (EUA), como precaução, caso os documentos que serviam de base do trabalho realizado no Brasil caíssem nas mãos dos militares. De Chicago, virá um milhão de páginas microfilmadas referentes a depoimentos de presos nas auditorias militares, nomes de torturadores e tipos de tortura. A cereja do bolo, porém, chegará de Genebra – um material inédito composto por dez mil páginas com troca de correspondências entre o reverendo presbiteriano Jaime Wright (1927 – 1999) e o cardeal-arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, que estavam à frente do Brasil: Nunca Mais, e as conversas que eles mantinham com o CMI.

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Somente em 1968, quatro anos após a ascensão dos militares ao poder, o catolicismo começou a se distanciar daquele papel que tradicionalmente lhe cabia na legitimação da ordem político-econômica estabelecida. Foi aí, quando no Brasil religiosos dominicanos como Frei Betto passaram a ser perseguidos, que a Igreja assumiu posturas contrárias às ditaduras na maioria dos países latino-americanos. Os protestantes, por sua vez, antes mesmo de 1964, viveram uma espécie de golpe endógeno em suas denominações, perseguindo a juventude que caminhava na contramão da ortodoxia teológica. Em novembro de 1963, quatro meses antes de o marechal Humberto Castelo Branco assumir a Presidência, o líder batista carismático Enéas Tognini convocou milhares de evangélicos para um dia nacional de oração e jejum, para que Deus salvasse o País do perigo comunista. Aos 97 anos, o pastor Tognini segue acreditando que Deus, além de brasileiro, se tornou um anticomunista simpático ao movimento militar golpista. “Não me arrependo (de ter se alinhado ao discurso dos militares). Eles fizeram um bom trabalho, salvaram a Pátria do comunismo”, diz.

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Assim, foi no exercício de sua fé que os evangélicos – que colaboraram ou foram perseguidos pelo regime – entraram na alça de mira dos militares (leia a movimentação histórica dos protestantes à pág. 80). Enquanto líderes conservadores propagavam o discurso da Guerra Fria em torno do medo do comunismo nos templos e recrutavam formadores de opinião, jovens batistas, metodistas e presbiterianos, principalmente, com ideias liberais eram interrogados, presos, torturados e mortos. “Fui expulso, com mais oito colegas, do Seminário Presbiteriano de Campinas, em 1962, porque o nosso discurso teológico de salvação das almas passava pela ética e a preocupação social”, diz o mineiro Zwinglio Mota Dias, 70 anos, pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, da Penha, no Rio de Janeiro. Antigo membro do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que promovia reuniões para, entre outras ações, trocar informações sobre os companheiros que estavam sendo perseguidos, ele passou quase um mês preso no Doi-Codi carioca, em 1971. “Levei um pescoção, me ameaçavam mostrando gente torturada e davam choques em pessoas na minha frente”, conta o irmão do também presbiteriano Ivan Mota, preso e desaparecido desde 1971. Hoje professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Dias lembra que, enquanto estava no Doi-Codi, militares enviaram observadores para a sua igreja, para analisar o comportamento dos fiéis.

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Segundo Rubem Cesar Fernandes, 68 anos, antropólogo de origem presbiteriana, preso em 1962, antes do golpe, por participar de movimentos estudantis, os evangélicos carregam uma mancha em sua história por convidar a repressão a entrar na Igreja e perseguir os fiéis. “Os católicos não fizeram isso. Não é justificável usar o poder militar para prender irmãos”, diz ele, considerado “elemento perigoso” no templo que frequentava em Niterói (RJ). “Pastores fizeram uma lista com 40 nomes e entregaram aos militares. Um almirante que vivia na igreja achava que tinha o dever de me prender. Não me encontrou porque eu estava escondido e, depois, fui para o exílio”, conta o hoje diretor da ONG Viva Rio.

O protestantismo histórico no Brasil também registra um alto grau de envolvimento de suas lideranças com a repressão. Em sua tese de pós-graduação, defendida na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Daniel Augusto Schmidt teve acesso ao diário do irmão de José, um dos delatores de Anivaldo Padilha, o bispo Isaías. Na folha relativa a 25 de março de 1969, o líder metodista escreveu: “Eu e o reverendo Sucasas fomos até o quartel do Dops. Conseguimos o que queríamos, de maneira que recebemos o documento que nos habilita aos serviços secretos dessa organização nacional da alta polícia do Brasil.” Dono de uma empresa de consultoria em Porto Alegre, Isaías Sucasas Jr., 69 anos, desconhecia a história da prisão de Padilha e não acredita que seu pai fora informante do Dops. “Como o papai iria mentir se o cara fosse comunista? Isso não é delatar, mas uma resposta correta a uma pergunta feita a ele por autoridades”, diz. “Nunca o papai iria dedar um membro da igreja, se soubesse que havia essas coisas (torturas).” Em 28 de agosto de 1969, um exemplar da primeira edição do jornal “Unidade III”, editado pelo pai do ministro da Saúde, foi encaminhado ao Dops. Na primeira página, há uma anotação: “É preciso ‘apertar’ os jovens que respondem por este jornal e exigir a documentação de seu registro porque é de âmbito nacional e subversivo.” Sobrinho do pastor José, o advogado José Sucasas Hubaix, que mora em Além Paraíba (MG), conta que defendeu muitos perseguidos políticos durante a ditadura e não sabia que o tio havia delatado um metodista. “Estou decepcionado. Sabia que alguns evangélicos não faziam oposição aos militares, mas daí a entregar um irmão de fé é uma grande diferença.”

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Nenhum religioso, porém, parece superar a obediência canina ao regime militar do pastor batista Roberto Pontuschka, capelão do Exército que à noite torturava os presos e de dia visitava celas distribuindo o “Novo Testamento”. O teólogo Leonildo Silveira Campos, que era seminarista na Igreja Presbiteriana Independente e ficou dez dias encarcerado nas dependências da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo, em 1969, não esquece o modus operandi de Pontuschka. “Um dia bateram na cela: ‘Quem é o seminarista que está aqui?’”, conta ele, 21 anos à época. “De terno e gravata, ele se apresentou como capelão e disse que trazia uma “Bíblia” para eu ler para os comunistas f.d.p. e tentar converter alguém.” O capelão chegou a ser questionado por um encarcerado se não tinha vergonha de torturar e tentar evangelizar. Como resposta, o pastor batista afirmou, apontando para uma pistola debaixo do paletó: “Para os que desejam se converter, eu tenho a palavra de Deus. Para quem não quiser, há outras alternativas.” Segundo o professor Maurício Nacib Pontuschka, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, seu tio, o pastor-torturador, está vivo, mas os dois não têm contato. O sobrinho também não tinha conhecimento das histórias escabrosas do parente. “É assustador. Abomino tortura, vai contra tudo o que ensino no dia a dia”, afirma. “É triste ficar sabendo que um familiar fez coisas horríveis como essa.”

Professor de sociologia da religião na Umesp, Campos, 64 anos, tem uma marca de queimadura no polegar e no indicador da mão esquerda produzida por descargas elétricas. “Enrolavam fios na nossa mão e descarregavam eletricidade”, conta. Uma carta escrita por ele a um amigo, na qual relata a sua participação em movimentos estudantis, o levou à prisão. “Fui acordado à 1h por uma metralhadora encostada na barriga.” Solto por falta de provas, foi tachado de subversivo e perdeu o emprego em um banco. A assistente social e professora aposentada Tomiko Born, 79 anos, ligada a movimentos estudantis cristãos, também acredita que pode ter sido demitida por conta de sua ideologia. Em meados dos anos 60, Tomiko, que pertencia à Igreja Evangélica Holiness do Brasil, fundada pelo pai dela e outros imigrantes japoneses, participou de algumas reuniões ecumênicas no Exterior. Em 1970, de volta ao Brasil, foi acusada de pertencer a movimentos subversivos internacionais pelo presidente da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, onde trabalhava. Não foi presa, mas conviveu com o fantasma do aparelho repressor. “Meu pesadelo era que o meu nome estivesse no caderninho de endereço de alguma pessoa presa”, conta.

Parte da história desses cristãos aterrissará no Brasil na terça-feira 14, emaranhada no mais de um milhão de páginas do Projeto Brasil: Nunca Mais repatriadas pelo Conselho Mundial de Igrejas. Não que algum deles tenha conseguido esquecer, durante um dia sequer, aqueles anos tão intensos, de picos de utopia e desespero, sustentados pela fé que muitos ainda nutrem. Para seguir em frente, Anivaldo Padilha trilhou o caminho do perdão – tanto dos delatores quanto dos torturadores. Em 1983, ele encontrou um de seus torturadores em um baile de Carnaval. “Você quis me matar, seu f.d.p., mas eu estou vivo aqui”, pensou, antes de virar as costas. Enquanto o mineiro, que colabora com uma entidade ecumênica focada na defesa de direitos, cutuca suas memórias, uma lágrima desce do lado direito de seu rosto e, depois de enxuta, dá vez para outra, no esquerdo. Um choro tão contido e vívido quanto suas lembranças e sua dor.

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segunda-feira, 16 de maio de 2011

É O RACISMO, ESTÚPIDOS!

Dez anos depois da primeira Conferência Mundial contra o Racismo e a Xenofobia de Durban, África do Sul, as mazelas e os perigos do racismo acenderam a luz vermelha e a ONU, instituindo 2011 como o Ano Internacional dos Afrodescendentes, volta a conclamar a comunidade de nações a se debruçar sobre os equívocos e a ineficiência das políticas antirracistas, por conta do recrudescimento dos níveis de racismo e discriminação racial contra os negros no mundo.

Recentes bananas oferecidas aos jogadores brasileiros Neymar e Roberto Carlos, as agressões verbais, os sons imitativos de macacos e as vaias das torcidas nas praças esportivas contra jogadores negros dão a dimensão da gravidade da situação, obrigando a Fifa e órgãos ligados ao esporte a tomar medidas severas para prevenção, punição e combate ao racismo, dentro e fora dos gramados.
Surrealismo, ambiguidade, hipocrisia, cinismo, desfaçatez, indiferença e tantos outros adjetivos jorram na literatura quando se analisa a tão vilipendiada trajetória do negro no Brasil. Todos apontam o racismo e ninguém consegue encontrar um racista. Junta-se a eles, a partir de agora, a estupidez.

Estúpido, este foi o adjetivo com que o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT/SP), definiu seu colega Jair Bolsonaro (PP/ RJ), por ocasião de suas maldades racistas e preconceituosas contra a cantora negra Preta Gil e os homossexuais em geral por meio de veículos de comunicação de massa.
O adjetivo em questão, seguramente, pode ser estendido a seus colegas congressistas Jaime Campos (DEM/ MT), que se referiu ao ministro negro do STF, Joaquim Barbosa, como "moreno escuro", por ter esquecido seu nome, Marcos Feliciano (PSC/SP), que responsabilizou a África e os negros africanos por todos os males do mundo, e ao senador Demóstenes Torres (DEM/GO), que, no plenário do STF, disse que a mulher negra gostava de ser seviciada pelo senhor.


Como inocentes úteis, tais nada inocentes parlamentares, protegidos pela impunidade, destilam em praça pública os venenos que reservavam para ambientes privados. Flertando com os veículos de comunicação, são a fina e rejuvenescida flor daquela corrente que faz um mau uso do direito de expressão para fins pessoais inconfessáveis, colocando o mandato popular a fomentar, voluntária ou involuntariamente, mas de modo igualmente irresponsável, o ódio racial.


Como a resultante dos estúpidos é a estupidez, a retórica dissimulada em ideia livre e democrática é, na verdade, a correia de transmissão para os também estúpidos integrantes das gangues organizadas que, em São Paulo, no ambiente cibernético e à luz do dia, pregam e praticam a perseguição, a agressão e a eliminação de negros, de judeus e de homossexuais.
É o combustível que encoraja os estúpidos das forças policiais, que, na Bahia, conforme noticiou esta Folha, dizimam a juventude negra brasileira. É o estímulo final aos seguranças de shopping centers e supermercados de grife, que vigiam os negros nas passarelas e batem em sua caras nas salas de segurança e em estacionamentos.

O racismo é perigosamente destrutivo e sutilmente enganador. Ele tateia sutilmente pelas frestas e se mistura sinuosamente como naturalidade cotidiana; tanto quanto repudiá-lo, é indispensável combatê-lo sem trégua e sem piedade. Sem diminuí-lo e sem ignorá-lo. A ONU e a Fifa estão corretas, assim como o deputado Vaccarezza. É o racismo, estúpidos!

José Vicente

A MENTIRA E O MEDO


Há uma inquieta passagem de Goethe, em sua conhecida reconstrução da tragédia de Eurípedes, Efigênia em Tauris, que serve de ponto de reflexão sobre o nosso tempo, entre todos os outros tempos.

Tendo sido salva da morte e vivendo em Tauris, Efigênia consegue proteger seu irmão Orestes. No texto de Goethe, ela maldiz a mentira, ao afirmar que a mentira não liberta o coração, não consola, e sim aporta a angústia. A passagem é citada por Aléxis Philonenko, em seu exaustivo estudo sobre os matadores e as várias manifestações do assassinato. Nas guerras, como instrumento de poder, ou de submissão de outros povos, e de saqueio, o ato de matar é mais horripilante e se camufla em falsa razão de estado. Os mandantes transferem, assim, sua culpa à comunidade nacional, mesmo quando agem contra o próprio povo. É o que ocorre com os golpistas e déspotas em todos os tempos e lugares.

Goethe escreveu sua peça aos 29 anos, dez anos antes da grande tempestade de violência política, que foi a Revolução Francesa. Mas não faltaram a ele os exemplos do passado, os grandes conflitos internacionais e as fortes tragédias, como as do fim da República Romana, da Idade Média e do Renascimento.O aspirante ao poder absoluto deverá arrancar seu coração, no obsessivo projeto de ser visto como herói, é o que, em suma, diz o grande escritor alemão, citado por Philonenko.

Há momentos em que, na necessidade da defesa de seu território, violado por tropas estrangeiras, o dirigente terá que optar pela guerra. Essa atitude é bem distinta da concepção da guerra pré-emptiva, doutrina cínica que assustou a consciência ética do mundo. Nesse, e em movimentos semelhantes, a mentira prevalece, a fim de dissimular o crime, para exibi-lo como virtude, no interesse do dirigente e no interesse daqueles que o aconselham.

Um líder político não é, ao contrário do que muitos supõem, homem só, que decide apenas com a própria consciência. Ele é conduzido pelos interesses que o construíram, pelas idéias que o orientaram, pelas contingências do cotidiano. Ele é orientado pela mentira, que ele, com a consciência de seus compromissos, ou com a volúpia do poder (quase sempre) assume e, em conseqüência, age. O pior é que a mentira passa a ser a verdade conveniente, mesmo sendo identificada em sua natureza infame.

Há momentos em que grande parte do povo se submete, pela aceitação do mal ou pela covardia, à mentira de seus dirigentes, como ocorreu durante o nazismo, o fascismo, o stalinismo, o franquismo. E como ocorreu aos Estados Unidos, nas guerras contra o México, a Espanha, o Vietnã – além dos golpes sucessivos em nosso continente, na África e na Ásia. Foi com a mentira que Stalin determinou a purga do partido, nos processos de 1938; foi com a mentira que Hitler decidiu pela extinção dos judeus, eslavos, ciganos e mestiços, além dos socialistas e comunistas, a partir da mentira maior, de que participam até hoje algumas de suas vítimas: a de que há raças humanas. E foi a partir de mentiras sucessivas que os Estados Unidos construíram seu poderio.

Como advertia a Efigênia de Goethe, desgraçada da mentira, porque não pode trazer o consolo, mas, sim, a angústia, e o pânico que se esconde sob outras ilusões, entre elas a da invencibilidade.
Os agressores, sabendo que mentem, estarão sempre sob a fria lâmina do terror da vingança. Como diria César, estão condenados, pelo medo, a morrer todos os dias.

Mauro Santayana

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

CISNE NEGRO – QUANDO O CINEMA É ARTE.

          Quando vi que o novo filme estrelado pela Natalie Portman (trailler abaixo) era dirigido por Darren Aronofsky, mesmo diretor de Requiem For a Dream, não tive dúvidas: depois de muito tempo minha ida ao cinema era obrigatória.
          Darren tem fama de não ter dó nem piedade em sua crueza cinematográfica. Tampouco mede esforços para que seus filmes sejam sempre dignos de serem chamados de arte. Cisne Negro não é, em definitivo, mais um blockbuster. É um filme magistral. Baseando-se em um clássico, já nasceu clássico. Como Requiem For a Dream, não é um filme fácil, mas ao contrário desse, exala uma beleza lírica que não tem tamanho, ainda que essa possa ser absolutamente assustadora. Aviso aos navegantes: não esperem por um maravilhoso balé ao estilo Bolshoi nem por um final palpável ou previsível ao estilo Hollywood. Aqueles não acostumados com o tipo de cinema onde as atuações são mais importantes que as explosões e onde os efeitos especiais vêm somente conferir um brilho maior ao que já é magnífico, saiam correndo. Orçamento curto geralmente é garantia do que realmente importa quando se trata de cinema-arte: a maravilha que pode ser a arte dramática.
          Cada cena, cada movimento da atriz, cada ângulo, cada delírio e loucura de Nina em sua busca pelo Cisne Negro que ela deve encontrar dentro de si é embalado por uma fotografia soberba e uma trilha sonora profundamente tocante. Aliás, como esse filme é tocante! Como mexe fundo, como não deixa ninguém indiferente. É um filme que fica na memória, que mexe muito com quem se deixa levar pela história e entra na pele da frágil Nina, acompanhando-a em sua metamorfose de branco a preto.
          Um filme sobre o peso da busca pela perfeição. Um filme sobre uma frágil bailarina reprimida, triste, que vive sob os cuidados de uma mãe zelosa e amável, mas igualmente controladora e possessiva. Um filme sobre o desabrochar desastroso de uma mulher aos 28 anos. Um filme tocante, delicado como uma bailarina e assustador como nossos fantasmas, medos, cobranças e frustrações.
          Ellen Burstyn perdeu (ainda não se sabe como) o Oscar de Melhor Atriz em Requiem For a Dream para Julia Roberts (podre, inexplicável), desde então não assisti nem mais uma edição do Oscar. Agora Darren emplaca Natalie e seu Cisne Negro, ou Branco-Negro, ou de Branco a Negro. Sei lá. Só sei que essa menina (não consigo não chamá-la de menina!!!) brilhou. E brilhou muito. Há tempos não vejo uma atriz que convença tanto, que se entregue tanto e que consiga uma atuação tão soberba. Para mim tudo nesse filme é perfeito. Aliás, o classificaria como um perfeito filme, perfeitamente dirigido, perfeitamente atuado, com fotografia e trilha perfeitas, tudo perfeitamente assustador numa aterradora história sobre a busca pela perfeição.
          E tal como num conclave, depois de anos sem algo que chegue aos pés desse filme, podemos dizer: Habemus Filme !!!

AVE NATALIE !!!

Cisne Negro - Black Swan - Mother Me (Soundtrack) Ave Natalie Portman !!!

Para mim a música mais linda do filme. Confiram.

CISNE NEGRO - BLACK SWAN - TRAILLER

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

SER DE ESQUERDA OU SER DE DIREITA

Ter uma inclinação ideológica é algo quase inevitável. Somos bombardeados diariamente com informações, alguns de nós lêem livros, textos, reportagens e tendemos, em geral, a tomar uma posição.  A maneira como crescemos, a educação que tivemos e, principalmente, as influência que absorvemos na juventude, formarão, de modo geral, nossa inclinação política. O que significa, entretanto se dizer uma pessoa de esquerda ou de direita hoje em dia? Confesso que reflito muito sobre o significado moderno de tal colocação.

Um filósofo esloveno contemporâneo chamado Slavoj Žižek se auto-classifica de comunista, cristão e ateu. Achei absolutamente fantástico ouvir isso de alguém como ele, porque muitas vezes me senti como algo desse tipo, ou seja, uma quimera ideológica. Hoje em dia vejo como isso é possível e, inclusive, filosoficamente coerente.

No imaginário popular existe uma lista de palavras ou características que são imediatamente relacionadas à esquerda e outras, à direita. Em um livro de francês, um dos métodos com o qual já tive contato, havia o seguinte exercício: os alunos deveriam ler uma lista de palavras que são associadas aos discursos de esquerda e uma outra lista de palavras associadas aos discursos de direita, ainda que essas palavras, à primeira vista, não demonstrassem muitas vezes uma dimensão política. Desse modo, palavras como monarquia, tradição, religião, respeito, austeridade, seriedade eram associadas à direita e outras como a tríade revolucionária: liberdade, igualdade, fraternidade ou ainda, aventura, felicidade, utopia, idealismo e revolta, seriam palavras associadas ao discurso de pessoas que se diziam de esquerda. Obviamente achei que se tratava de uma estereotipagem sem tamanho. O exercício que se seguia e a própria forma como os alunos acertavam absolutamente todos os vernáculos e classificações dos discursos,  me mostrou que era realmente essa a percepção que as pessoas possuem de modo geral.

Creio que a maior dificuldade da esquerda seja conseguir sensibilizar as pessoas e demonstrar que “seus” adjetivos não são, como a percepeção geral erroneamente constata, características pejorativas e, no mesmo passo, mostrar que “os” da direita estão longe de ser virtudes indeléveis. Difícil combate esse, principalmente em um mundo onde os extremismos religiosos se acirram a cada dia. A direita, quase sempre de mãos dadas com a religião, ganha espaço, triunfa e mergulha o mundo numa treva medieval.

De minha livre interpretação dos embates políticos historicamente travados em meu país e de minha percepção do que conheço e leio sobre a Europa e Oriente Médio, há muito tempo enxergo algo que não é tratado com a devida imparcialidade pelos veículos de informação: acredito que a maioria dos movimentos políticos e governos estão muito equivocados, cada um a seu modo. Se de um lado não posso concordar com os desmandos e com os extremismos de alguns países do islã, notadamente no que toca às liberdades individuais, não consigo, tampouco, enxergar qualidade alguma no consumismo desenfreado do capitalismo ocidental que de tempos em tempos nos visita com suas crises avassaladoras, sempre curadas com o sacrifício e o cerceamento de direitos básicos de populações escravizadas e sacrificadas ao proveito dos lucros dos banqueiros e das grandes corporações. Como nenhum dos extremos agrada e como ambos escancaram seus vícios e horrores, eles de fato se retro-alimentam (palavras de Slavoj Žižek). Criando mistificações uns sobre os outros e se entre-acusando, garantem sua sobrevivência. A lógica do Inimigo Ocidental e do Inimigo Oriental impera. Tudo isso, claro, amplamente e devidamente manipulado por uma mídia que insiste em ser partidária e tendenciosa e que se mostra absolutamente incapaz de ser jornalística e sóbria.

Como homem de esquerda, quero muito asisistir o colapso da direitona. Principalmente a direitona religiosa e xenófoba, que nos Estados Unidos se vira contra os latinos, na Europa contra os árabes e no Brasil contra os Nordestinos. Não consigo enxergar uma virtude sequer nessa gente e em seus propósitos. Não conheço um único país ou um único governo atual de direita que governe, de fato, pensando em sua população. A direita sempre está atrás da garantia dos interesses de poucos. Sempre ligada à velhas oligarquias, empresários e clãs políticos. Seu sucessso vem de seu discurso religioso, moral e bom-costumeiro, que ainda que absolutamente hipócrita, é sim, muito difícil de desnudar aos olhos da maioria da população. Na coluna de adjetivos e expressões ligados à direita eu acrescentaria alguns, digamos, mais diretos: elitistas, reacionários, anti-democratas, sectários, classistas, xenófobos, bairristas e intolerantes. Não custa lembrar que o Nazismo e o Fascismo floresceram como forças de extrema direita.

O comunismo de fato se perdeu no caminho. Errou feio quando pretendeu igualar os seres humanos em absolutamente todas as suas facetas, subtraindo principalmente as singularidades e potencialidades individuais, propondo um mundo monótono e padronizado. O que de fato precisamos é de igualdade de oportunidades para que cada um, à sua guisa, desenvolva suas potencialidades e viva a vida que queira viver. Isso não pode ocorrer enquanto houver fome, massacre de minorias e cerceamento de direitos individuais. Fico realmente assustado quando vejo as populações européias serem descaradamente assaltadas para que governos paguem as contas da crise cíclica gerada pelo mercado especulativo. Não vejo outra razão de existência do Estado que não seja dentro do Estado Social de Direito. Qual o dever do Estado se não o de garantir o bem estar social ? Qual a razão de se pagar impostos que não seja para que sejam empregados em gastos de interesse público ? Muito ao contrário, o que se vê na Europa, principalmente, é um verdadeiro assalto aos direitos mais elementares dos trabalhadores e dos cidadãos com o objetivo de sanar as contas de um capitalismo loucamente especulativo e resgatar, por mais um ciclo, banqueiros da bancarrota, evitando, sempre e mais uma vez, que a elite financeira largue o osso.

Creio sim que a salvação do mundo esteja numa guinada à esquerda, mas uma esquerda madura, que garanta oportunidades suficientes para que as pessoas desenvolvam suas potencialidades. Não quero nem acredito em um mundo igual no sentido de padronizado, mas igual em justiça e em possibilidades para todos. Definitivamente o capitalismo nunca nos deu isso. Mas teremos que ser capazes de conseguir cedo ou tarde. Esse mundo só será possível quando a elite financeira, direitista e conservadora resolver ceder. A história nos mostra que isso não costuma ocorrer de modo pacífico. Sempre que falo isso me lembro do que se encontrava no lugar do obelisco da Concórdia (1) em Paris e realmente não acredito que seja uma boa saída. A saída, na minha opinião, tem sido ensaiada em meu país, e parece ter tido sucesso nos países escandinavos: fortalecimento do Estado Social de Direito, diminuição das desigualdades, diminuição da disparidade entre salários, ou seja precisamos encarnar em sua forma pura e cristã e de uma vez por todas, os ideais revolucionários franceses: Liberdades individuais, com democracias vigorosas, Igualdade de oportunidades para garantirmos o desenvolvimento das potencialidades individuais e Fraternidade para que possamos enxergar de uma vez por todas que um sistema econômico mundial jamais perdurará enquanto houver fome e miséria ou enquanto o conforto de poucos repousar sobre os ombros cansados de muitos.

Obs: Um ditado popular diz: esquerda aos 20, centro aos 30 e direita aos 40. Eu escolho envelhecer como Niemeyer, que aos cem anos se declara um homem de esquerda com a confiança que os anos dão aos sábios e a lucidez que os livros dão aos que estudam.

Thiago de Castro Gomes

1-Local em Paris onde se localizava a Guilhotina que decapitou milhares de nobres e políticos durante a Revolução Francesa. 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Oi Pessoal. Quanto tempo !!! Muitos têm achado que meu sumiço foi resultado de umas férias no pós processo eleitoral. Confesso que nunca me envolvi tanto e nunca houve uma eleição que me deixasse tão  irritado com tanta coisa absurda que andou acontecendo, notadamente o papel espúrio da mídia nacional. Continuo, inclusive, muito preocupado com isso.
Todavia, passei por um processo de finalização e defesa de tese de doutorado que me tomou muito tempo. Com a tese defendida e a guerra da eleição finda, pretendo retomar as atividades no Blog. Na verdade o objetivo deste Blog não é puramente político, o é também, mas minha idéia continua sendo difundir coisas bacanas como textos, vídeos e reportagens interessantes de minha autoria ou não. Ando pensando em um tema para escrever, ainda no âmbito do que percebo diariamente de minhas leituras da mídia nacional. Vou amadurecer a idéia. No momento deixo vocês com um texto do Miguel Nicolelis, grande neurocientista brasileiro, sobre a ciência nacional e o salto que precisamos dar no investimento em educação e ciência & tecnologia no nosso país.
Este texto foi publicado originalmente no Blog do Azenha: www.viomundo.com.br

Manifesto da Ciência Tropical: um novo paradigma para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e econômica no Brasil
por Miguel Nicolelis

É hora da ciência brasileira assumir definitivamente um compromisso mais central perante toda a sociedade e oferecer o seu poder criativo e capacidade de inovação para erradicar a miséria, revolucionar a educação e construir uma sociedade justa e verdadeiramente inclusiva.
É hora de agarrar com todas as forças a oportunidade de contribuir para a construção da nação que sonhamos um dia ter, mas que por muitas décadas pareceu escapar pelos vãos dos nossos dedos.
É hora de aproveitar este momento histórico e transformar o Brasil, por meio da prática cotidiana do sonho, da democracia e da criação científica, num exemplo de nação e sociedade, capaz de prover a felicidade de todos os seus cidadãos e contribuir para o futuro da humanidade.
No intuito de contribuir para o início desse processo de libertação da energia potencial de criação e inovação acumulada há séculos no capital humano do genoma brasileiro, eu gostaria de propor 15 metas centrais para a capacitação do Programa Brasileiro de Ciência Tropical.
A implementação delas nos permitirá acelerar exponencialmente o processo de inclusão social e crescimento econômico, que culminará, na próxima década, com o banimento da miséria, a maior revolução educacional e ambiental da nossa história e a decolagem irrevogável e irrestrita da indústria brasileira do conhecimento.
Estas 15 metas visam a desencadear a massificação e a democratização dos meios e mecanismos de geração, disseminação, consumo e comercialização de conhecimento de ponta por todo o Brasil.
1) Massificação da educação científica infanto-juvenil por todo o território nacional
O objetivo é proporcionar a 1 milhão de crianças, nos próximos 4 anos,  acesso a um programa de educação científica pública, protagonista e cidadã de alto nível. Esse programa utilizará o método científico como ferramenta pedagógica essencial, combinando a filosofia de vida de dois grandes brasileiros: Paulo Freire e Alberto Santos-Dumont.
Ao unir a educação como forma de alcançar a cidadania plena com a visão de que ciência se aprende e se faz “pondo a mão na massa”, sugiro a criação do Programa Educação para Toda a Vida, do qual faria parte o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos -Dumont (veja abaixo). A porta de entrada se daria nos serviços de pré-natal para as mães dos futuros alunos do programa. Após o nascimento, essas crianças seriam atendidas no berçário e na creche, depois na escola de educação científica que os serviria dos 4-17 anos, para que esses brasileiros e brasileiras possam desenvolver toda a sua potencialidade intelectual e criativa nas duas próximas décadas de suas vidas.
O programa de educação científica seria implementado no turno oposto ao da escola pública regular, criando um regime de educação em tempo integral para crianças de 4-17 anos, por meio de parceria do governo federal com governos estaduais e municipais. Cada unidade da rede de universidades federais poderia ser responsável pela gestão de um núcleo do Programa Educação para Toda Vida, voltado para a população do entorno de cada campus.
O governo federal poderia ainda incentivar a participação da iniciativa privada, oferecendo estímulos fiscais e tributários para as empresas que estabelecessem unidades de educação científica infanto-juvenil, ao longo do território nacional. Por exemplo, o novo centro de pesquisas da Petrobras poderia criar uma das maiores unidades do Educação para Toda Vida.
2) Criação de centros nacionais de formação de professores de Ciência
A implementação do Programa Educação para Toda Vida geraria uma demanda inédita para professores especializados no ensino de ciência e tecnologia. Para supri-la, o governo federal poderia estabelecer o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos -Dumont, que seria o responsável pela gestão dos centros nacionais de formação de professores de ciências, espalhados por todo território nacional. As universidades federais, os Institutos Federais de Tecnologia (antigos CEFETs) e uma futura cadeia de Institutos Brasileiros de Tecnologia (veja abaixo) poderiam estabelecer programas de formação de professores de ciências e tecnologia em todo o país.
Esses novos programas capacitariam uma nova geração de professores a ensinar conceitos fundamentais da ciência, através de aulas práticas em laboratórios especializados, tecnologia da informação e utilização de métodos, processos e novas ferramentas para investigação científica. Os alunos que se graduassem no programa Educação para Toda Vida teriam capacitação, antes mesmo do ingresso na universidade, para se integrar ao trabalho de laboratórios de pesquisa profissionais, tanto públicos como privados, através do Programa Nacional de Iniciação Científica e do Bolsa Ciência (veja abaixo).
3) Criação da carreira de pesquisador científico em tempo integral nas universidades federais
Seria em paralelo à tradicional carreira de docente. Ela nos permitiria recrutar uma nova geração de cientistas que se dedicaria exclusivamente à pesquisa científica, com carga horária de aulas correspondente a 10% do seu esforço total. Sem essa mudança não há como esperar que pesquisadores das universidades federais possam dar o salto científico qualitativo necessário para o desenvolvimento da ciência de ponta do país.
4) Criação de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia espalhados pelo país
Eles serviriam para suprir a demanda de engenheiros, tecnólogos e cientistas de alto nível e promover a inclusão social por meio do desenvolvimento da indústria brasileira do conhecimento. Atualmente o Brasil apresenta um déficit imenso desses profissionais.
Para sanar essa situação, o Brasil poderia reproduzir o modelo criado pela Índia, que, desde a década de 1950, construiu uma das melhores redes de formação de engenheiros e cientistas do mundo, constituída pela cadeia de Institutos Indianos de Tecnologia.
Para tanto, o governo federal deveria criar nos próximos oito anos uma rede de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia (IBT) e espalhá-los em bolsões de miséria do território nacional, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Cada IBT poderia admitir até 5.000 alunos por ano.
5) Criação de 16 Cidades da Ciência
Localizadas nas regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Vale do Ribeira, Jequitinhonha, interior do Nordeste, Amazônia, as Cidades da Ciência ficariam no entorno dos novos IBTs.
As Cidades da Ciência seriam, na prática, o componente final da nova cadeia de produção do conhecimento de ponta no Brasil. Acopladas aos novos IBTs e à rede de universidades federais, criariam o ambiente necessário para a transformação do conhecimento de ponta, gerado por cientistas brasileiros, em tecnologias e produtos de alto valor agregado que dariam sustentação à indústria brasileira do conhecimento.
Nas Cidades da Ciência seriam criadas e estabelecidas as grandes empresas do conhecimento nacional, onde o potencial científico do povo brasileiro poderia se transformar em novas fontes de riqueza a serem aplicadas na gênese de um sistema nacional autossustentável. Tal iniciativa permitiria a inserção do Brasil na era da economia do conhecimento que dominará o século XXI.
6) Criação de um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia
Esse verdadeiro cinturão de defesa, formado por um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia, seria disposto em paralelo ao chamado “Arco de Fogo”, formado em decorrência do agronegócio predatório e da indústria madeireira ilegal, responsáveis pelo desmatamento da região. Essa iniciativa visa a fincar uma linha de defesa permanente contra o avanço do desmatamento ilegal, modificando a estratégia das unidades de conservação a fim de colocá-las a serviço de um Programa Nacional de Mapeamento dos Biomas Brasileiros.
Uma série de unidades de conservação poderia ser transformada em unidades híbridas. Assim, além da conservação, poderiam incluir grandes projetos de pesquisa que possibilitem ao Brasil mapear a riqueza e a magnitude dos serviços ecológicos e climáticos encontrados nos diversos biomas nacionais.
Para incentivar a participação de populações autóctones nesse esforço, o governo federal poderia criar o programa Bolsa Ciência Cidadã. Homens, mulheres e adolescentes, que vivem na floresta amazônica e conhecem seus segredos melhor do que qualquer professor doutor, receberiam uma bolsa, similar ao bolsa família, para integrarem as equipes de pesquisadores e responsáveis pela implementação das leis ambientais na região. Esse exército de cidadãos, devotado à investigação científica e à proteção da Amazônia, mostraria ao mundo o quão determinado o Brasil está em preservar uma das maiores maravilhas biológicas do planeta.
Evidentemente tal iniciativa poderia ser replicada em outras áreas críticas, também ameaçadas pela indústria predatória, como o Pantanal, a caatinga, o cerrado, a Mata Atlântica e os Pampas.
7) Criação de oito “Cidades Marítimas” ao longo da costa brasileira
A descoberta do pré-sal demonstra claramente que uma das maiores fontes potenciais de riqueza futura da sociedade brasileira reside no vasto e diverso bioma marítimo da nossa costa.
Apesar disso, os esforços nacionais para estudo científico desse vasto ambiente são muito incipientes. Aqui também o Brasil pode inovar de forma revolucionária. Em parceria com a Petrobras, o governo federal poderia estabelecer, no limite das 350 milhas marinhas, oito plataformas voltadas para a pesquisa oceanográfica e climática, visando ao mapeamento das riquezas no mar tropical brasileiro.
Essas verdadeiras “Cidades Marítimas”, dispostas a cada mil quilômetros da costa brasileira, seriam interligadas por serviço de transporte marítimo e aéreo (helicópteros) e se valeriam de incentivos à renascente indústria naval brasileira, para o desenvolvimento, por exemplo, de veículos de exploração a grandes profundidades.
Cada “Cidade Marítima” seria autossuficiente, contando com laboratórios, equipamentos e equipe própria de pesquisadores. Tais edificações serviriam também como postos mais avançados de observação dos limites marítimos do Brasil. Com o crescente desenvolvimento da exploração do pré-sal, essa rede de “Cidades Marítimas” poderia assumir papel fundamental na defesa da nossa soberania marítima dentro das águas territoriais.
8) Retomada e Expansão do Programa Espacial Brasileiro
Embora subestimado pela sociedade e a mídia brasileiras, o fortalecimento do programa espacial brasileiro oferece outro exemplo emblemático de como o futuro do desenvolvimento científico no Brasil é questão de soberania nacional.
Dos países pertencentes ao BRIC, o Brasil é o que possui o mais tímido e subdesenvolvido programa espacial. Apesar da sua situação geográfica altamente favorável, a Base de Alcântara não tem correspondido às altas expectativas geradas com a sua construção.
Essa situação é inaceitável, uma vez que, a longo prazo, pode levar o Brasil a uma dependência irreversível no que tange a novas tecnologias e novas formas de comunicação, colocando a nossa soberania em risco. Dessa forma, urge reativar os investimentos nessa área vital, definir novas e ambiciosas metas para o programa espacial brasileiro e esclarecer o papel da sociedade civil na operação dos programas da Base de Alcântara, cujo controle deveria estar nas mãos de uma equipe civil de pesquisadores e não das forças armadas.
9) Criação de um Programa Nacional de Iniciação Científica
Com a criação do Programa Educação para Toda Vida, seria necessário implementar novas ferramentas para que os adolescentes egressos desses programas pudessem dar vazão a seus anseios de criação, invenção e inovação através da continuidade do processo de educação científica, mesmo antes do ingresso na universidade e depois dele.
Na realidade, é extremamente factível que grande número desses jovens possa começar a contribuir efetivamente para o processo de geração de conhecimento de ponta antes do ingresso na universidade.
O governo federal poderia criar um Programa Nacional de Iniciação Científica que leve ao estabelecimento de 1 milhão de Bolsas Ciência. Uma experiência preliminar desse programa já existe no CNPQ, através do recém-criado programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. Bastaria ampliá-lo e remover certas amarras burocráticas que dificultam a sua implementação neste momento. Esse programa poderia também ser usado pelo governo federal para eliminar uma porcentagem significativa (30%) da evasão do ensino médio, decorrente da necessidade dos alunos em contribuir para a renda familiar.
Jovens de talento científico reconhecido deveriam também ter a opção de seguir carreira de inventor ou pesquisador sem necessitar de doutorado ou outro curso de pós-graduação. Tal alternativa contribuiria decisivamente para a diminuição do período de treinamento necessário para que talentos científicos pudessem participar efetivamente do desenvolvimento científico do Brasil.
10) Investimento de 4-5% do PIB em ações de ciência e tecnologia na próxima década
Tendo proposto novas ações, é fundamental que essas sejam devidamente financiadas. Para tanto e, ainda, para assegurar a ascensão da ciência brasileira aos patamares de excelência dos países líderes mundiais, o governo brasileiro teria de tomar a decisão estratégica de destinar, nas próximas décadas, algo em torno de 4-5% do PIB nacional à ciência e tecnologia.
Em vários países, como os EUA, essa conta é dividida em partes iguais entre o poder público e privado. No Brasil, todavia, não existem condições para que isso ocorra de imediato. Dessa forma, não restaria outra alternativa ao governo federal senão assumir a responsabilidade desse investimento estratégico, usando novas fontes de receita, como a gerada pela exploração do pré-sal.
11) Reorganização das agências federais de fomento à pesquisa
Reformulação de normas de procedimento e processo para agilizar a distribuição eficiente de recursos ao pesquisador e empreendedor científico, bem como criar um novo modelo de gestão e prestação de contas.
A ciência e o cientista brasileiro não podem mais ser regidos pelas mesmas normas de 30-40 anos atrás, utilizadas na prestação de contas de recursos públicos para construção de rodovias e hidrelétricas.
Urge, portanto, reformular completamente todos os protocolos de cooperação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com outros ministérios estratégicos para execução de projetos multiministeriais.
Na lista de cooperação estratégica do MCT, incluem-se os ministérios da Educação, Saúde, Meio Ambiente, Minas e Energia, Indústria e Comércio, Agricultura, Defesa e Relações Exteriores. Normas comuns de operação dos departamentos jurídicos e dos processos de prestação de contas devem ser produzidas entre o MCT e esses ministérios, de sorte a incentivar a realização de projetos estratégicos interministerais, como o Educação para Toda Vida.
O cenário atual cria inúmeros empecilhos para ratificação de projetos estratégicos aprovados no mérito científico (o principal quesito), mas que, via de regra, passam meses e até anos prisioneiros dos desconhecidos meandros e procedimentos conflitantes com que operam os diferentes departamentos jurídicos dos diferentes ministérios.
Urge eliminar tal barreira kafkaniana e transferir o poder de decisão, atualmente nas catacumbas jurídicas dos ministérios onde volta e meia processos desaparecem, para as mãos dos gestores de ciência treinados para implementar uma visão estratégica do projeto nacional de ciência e tecnologia.
12) Criação de joint ventures para produção de insumos e materiais de consumo para prática científica dentro do Brasil
É’ fundamental investir numa redução verdadeira dos trâmites burocráticos “medievais” que ainda existem para aquisição de materiais de consumo e equipamentos de pesquisa importados. Para tanto, é importante definir políticas de incentivo ao estabelecimento de empresas nacionais dispostas a suprir o mercado nacional com insumos e equipamentos científicos.
13) Criação do Banco do Cérebro
Um dos maiores gargalos para o crescimento da área de ciência e tecnologia no Brasil é a dificuldade que cientistas e empreendedores científicos enfrentam para ter acesso ao capital necessário para desenvolver novas empresas baseadas na sua propriedade intelectual.
Na maioria das vezes, esses inventores e microempreendedores científicos ficam à mercê da ação de venture capitalists, que oferecem capital em troca de boa parte do controle acionário da empresa em que desejam investir.
Para reverter esse cenário, o governo federal poderia criar o Banco do Cérebro, uma instituição financeira destinada a implementar vários mecanismos financeiros para fomento do empreendedorismo científico nacional.
Essas ferramentas financeiras incluiriam desde programa de microcrédito científico até formas de financiamento de novas empresas nacionais voltadas para produtos de alto valor agregado, fundamentais ao desenvolvimento da ciência brasileira e da economia do conhecimento.
Para isso, o governo federal deverá exigir que esses novos empreendimentos científicos sejam localizados numa das novas Cidades da Ciência. Joint ventures entre empreendedores brasileiros e estrangeiros também deverão ser estimuladas pelo Banco do Cérebro, seguindo o mesmo critério social.
14) Ampliação e incentivo a bolsas de doutorado e pós-doutorado dentro e fora do Brasil
À primeira vista pode parecer contraditório propor metas para o desenvolvimento da Ciência Tropical e, ao mesmo tempo, reivindicar aumento significativo de bolsas de doutorado e pós-doutorado para alunos brasileiros no exterior.
Novamente, a proposta da Ciência Tropical é, antes de tudo, um nova proposta para o desenvolvimento de excelência na prática da pesquisa e educação científica. Dessa forma, ela tem de incentivar todas as formas que permitam aos melhores e mais promissores cientistas brasileiros complementarem sua formação fora do território nacional.
Como bem disse a presidente-eleita Dilma Rousseff durante a campanha: “ O Brasil precisa de seus cientistas porque eles iluminam o nosso país”.
Pois que os futuros jovens cientistas brasileiros tenham a oportunidade de se transformar em genuínos embaixadores da ciência brasileira e complementar seus estudos em universidades e institutos de pesquisa estrangeiros, líderes em suas respectivas áreas.
Esse processo de intercâmbio e “oxigenação” de idéias é essencial à prática da ciência de alto nível. Mesmo os cientistas brasileiros que optarem por ficar no exterior depois desse e treinamento poderão trazer dividendos fundamentais para o desenvolvimento da Ciência Tropical.
15) Recrutamento de pesquisadores e professores estrangeiros dispostos a se radicar no Brasil
Com a crise financeira, verdadeiros exércitos de cientistas americanos e europeus estarão procurando novas posições nos próximos anos. Cabe ao Brasil tirar vantagem dessa situação e passar a ser um importador de cérebros e não um exportador de talentos.
Historicamente, a academia brasileira tem inúmeros exemplos excepcionais de pesquisadores estrangeiros de alto nível que alavancaram grandes avanços científicos no Brasil. O Programa Brasileiro de Ciência Tropical só teria a ganhar com uma política mais abrangente, audaciosa e sistêmica de importação de talentos.