segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Vida Não Me Desapontou - Nietzsche

Não, a vida não me desapontou! Pelo contrário, todos os anos a acho melhor, mais desejável, mais misteriosa... desde o dia em que vejo a mim a grande libertadora, a ideia de que a vida podia ser experiência para aqueles que procuram saber, e não dever, fatalidade, duplicidade!... Quanto ao próprio conhecimento, seja ele para outros aquilo que quiser, um leito de repouso, ou o caminho para um leito de repouso, ou distracção ou vagabundagem, para mim é um mundo de perigos, é um universo de vitórias onde os sentimentos heróicos têm a sua sala de baile. «A vida é um meio de conhecimento»; quando se tem este princípio no coração, pode viver-se não somente corajoso mas feliz, pode-se rir alegremente! E quem, de resto, se ouvirá, portanto, a bem rir e a bem viver se não for primeiramente capaz de vencer e de guerrear?

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

A Sabedoria do Sofrimento - Nietzsche

O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível.
Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor! Não lha podemos recusar! São conservadores da espécie, estimulantes de primeira qualidade, quando mais não seja porque resistem ao bem-estar e não escondem o seu desprezo por essa espécie de felicidade.

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

terça-feira, 18 de outubro de 2011

AMY WINEHOUSE - INCRÍVEL VERSÃO DE "VALERIE"

Emir Sader: É o social, estúpidos!

Coerentemente com sua incapacidade de explicar o prestígio nacional de Lula – 87% depois de ter deixado de ser presidente -, a direita – tanto a partidária, quanto a midiática – não consegue explicar o prestígio e a mais que segura possibilidade de que Cristina Kirchner triunfe nas eleições do próximo domingo, 23 de outubro, reelegendo-se presidente da Argentina e inaugurando – como no Brasil – o terceiro mandato do ciclo atual de governos pós-neoliberais no país vizinho.
Todos os argumentos foram esgrimidos: o luto pela morte de Nestor Kirchner – ocorrida há mais de um ano, insuficiente para dar conta da contínua subida da popularidade de Cristina; a corrupção, que cooptaria grande quantidade de gente: incapaz de dar conta de um apoio popular generalizado de Cristina; a conjuntura econômica internacional: esta volta a se tornar um condicionante negativo, mas a economia argentina continua a ser a que mais cresce no continente. Resta a idiossincrasia argentina, uma espécie de sentimento de auto-destruição inato dos argentinos, que adorariam acelerar a suposta decadência do seu país.
Em suma, apelou-se para argumentos infra-políticos, antropológicos, psicanalíticos, tangueiros, mas não conseguem entender, menos ainda explicar por que um governo que a mídia brasileira e argentina – irmãs gêmeas – execra, conseguirá se reeleger nas eleições do final deste mês, com mais de 40% de diferença para o segundo colocado.
A razão é que isso seria uma confissão dramática – e quase suicida – para as elites, do óbvio: o Brasil e a Argentina tiveram uma substancial melhoria nas condições de vida da massa da população e este é o “segredo” conhecido por todo o povo, do sucesso dos seus governos atuais.
Enquanto – só para tomar os presidentes depois da restauração da democracia nos dois países – presidentes como Ricardo Alfonsin [mais conhecido Raul Alfonsin], José Sarney, Fernando Collor de Mello, Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso, Fernando de la Rua – saíram enxotados e repudiados pelo povo, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, terminaram ou terminam seus mandatos com um majoritários apoio popular, apesar da oposição da velha mídia monopolista.
A razão do sucesso desses governos – da mesma forma que dos outros governos progressistas da América Latina – reside nas políticas sociais, no ataque à característica mais marcante historicamente dos países do nosso continente: o de ser a região mais desigual do mundo. Aí reside o “segredo” das transformações levadas a cabo por esses governos e que explicam sua popularidade. Uma situação radicalmente contrária da dos governos que os antecederam e que implementaram ou deram continuidade ao modelo neoliberal.
Até mesmo essa direita reconhece que a distribuição de renda melhorou substancialmente desde o início desses governos, que o poder aquisitivo dos salários cresceu ao longo desses mandatos, que os contratos formais de trabalho aumentaram sempre na década passada, revertendo, em parte, as desigualdades e exclusões sociais dos governos que os antecederam.
A dificuldade para que a direita – de lá e de cá – reconheça esse aspecto – o enorme processo de democratização social em curso nos nossos países – reside em que significaria automaticamente reconhecer que quando governaram – com ditadura ou com democracia -, perpetuaram ou até mesmo pioraram a situação da massa da população. A desigualdade histórica que marca o nosso continente é produto dos governos das elites tradicionais. Compreender as razões da popularidade dos governos argentino e brasileiro seria uma confissão das responsabilidades das elites tradicionais – partidos e mídia – e, de alguma forma, suicidar-se como consciência social. Daí que estejam condenados a enganar-se e, assim, a impossibilidade de compreensão do que são nossos países e toda a América Latina hoje. Daí a situação de impotência, desconcerto e divisão que afeta a direita nos dois países e em grande parte do continente.
Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.